Muito em razão da exposição midiática das decisões judicias, mas também por causa de manifestações extra autos de magistrados (que legalmente não deveriam ocorrer), os processos judiciais em geral e os que versam matéria criminal em particular, como se diz vulgarmente, estão na boca do povo. Não bastasse a proliferação de faculdades de direito que, longe de contribuir para a elevação do conhecimento jurídico, tem sido responsável pelo aumento de bacharéis que sequer conseguem habilitação para advogar, agora, como no futebol, cada brasileiro se acha capacitado a dar veredito, condenando e fixando penas aos acusados dos mais diversos matizes.
Não é de hoje, a imprensa precede a Justiça, aponta o culpado com indiscrição e não raro com imprudência. O acusado, diante das "verdades" publicadas é totalmente impotente, não tem como se defender. É fato, que há mais tempo passado, este "julgamento" midiático estava restrito a jornais ou rádios sensacionalistas. Hoje, pode-se dizer, é a regra. Soma-se a isto a grande "mesa de bar" global proporcionada pela internet e suas redes sociais.
Indo na contramão da evolução do direito processual penal, na prática o réu não é mais visto como semelhante que cometeu delito, mas é tratado como uma coisa (não um sujeito) que precisa ser descartada a qualquer custo. Sem a percepção de que o réu, qualquer réu, merece ter garantida sua dignidade humana, pois em tese, por mais que digamos que não, qualquer um de nós poderá vir a ser réu, mesmo por uma acusação falsa e, se isto acontecer, haveremos de reclamar tardiamente os direitos que sempre sonegamos aos outros. Os direitos do réu devem ser garantidos a todo e qualquer cidadão, independentemente das qualidades positivas ou negativas daquele que especificamente está sendo julgado.
Quanto maior a repercussão de um fato em julgamento, maior deverá ser a atenção do julgador para não se deixar contaminar pelo rumor que vem de fora do tribunal. Francesco Carnelutti (1879/1965) destacado advogado e jurista Italiano chama de infeliz o juiz que fica indiferente aos processos pequenos e cede ao clamor dos processos célebres. Os casos de grande repercussão, os processos célebres, são aqueles em que o drama de ser juiz se mostra com toda a nitidez. O Judiciário é a justiça dos homens; todo o juiz é um homem, com todas as suas idiossincrasias, suas limitações, mas seu grande drama é que tem o dever de ser mais do isto.
Com atenção e espírito na leitura de jornais, revistas, ouvindo rádio ou assistindo televisão é nítido que as matérias jornalísticas sobre processos criminais de grande repercussão, em regra, são ambíguas e/ou parciais em favor da polícia ou do órgão acusador, visando pressionar o juiz ou, em certos casos, até mesmo lhes solapar a legitimidade.
A única força que deve submeter o juiz é lei. Juiz não pode perder neutralidade, manipular procedimentos, selecionar réus. Não pode ser covarde e ajoelhar-se a quem tem poder ou decidir para agradar às multidões. Quando o Judiciário e seus juízes são sistematicamente deslegitimados é alerta de uma ruptura social. Ao deslegitimar a Justiça abre-se caminho para a arbitrariedade, a lei do mais forte e a consequência fatal será o fim da liberdade, quando todos ficam subjugados aquele(s) que, imitando He-Man, das histórias em quadrinho, possa(m) dizer "eu tenho a força!".
A justiça dos homens não é perfeita, mas é melhor do que a anarquia e a ditadura.